Mulher levou o tio para conseguir empréstimo em um banco; idoso já estava morto -  (crédito: Reprodução/Dailymotion)
Mulher levou o tio para conseguir empréstimo em um banco; idoso já estava morto
crédito: Reprodução/Dailymotion
Uma sociedade produtiva e eficiente, idólatra da pura razão instrumental, dá passos certeiros em direção à barbárie. A técnica, por si só, é carente de reflexão ética, pois esse modo de pensar exige tempo, ócio e debate. Os burocratas da tecnoidolatria, tendo em vista seu baixo vocabulário e sua curtíssima carta de leitura, desconhecem a importância do desenvolvimento moral.


É por isso que a inovação tecnoló💜gica, isolada das Humanidades, não nos levará a lugar algum. Diariamente, constatamos as ações inconsequentes na Rede, nos assustando quanto à e꧃scalada da boçalidade que impera nessa terra sem lei e sem reflexão ética.

 


Assistimos a uma delas, estarrecidos, nos últimos dias: cenas macabras que mostravam um cadáver sendo le𒉰vado a uma agência bancária. N&atild🌠e;o era filme de terror, era a vida em carne e nosso. Confesso que resisti a ver a cena. Apenas o relato bastava. A cultura da imagem escandalosa, comum em nosso tempo, não acrescentaria nada em minha reflexão.

 


Porém, mesmo negando o acesso às cenas e todo o seu sensacionalismo midiático, propício à indústria jornalística do escândalo, em pouco tempo meu telefone já se encontrava infestado com a enxurrada de memes, figurinhas e cenas que estrela bet:retratavam o próprio corpo, vilipendiado pela segunda vez,🙈 em situ༒ações constrangedoras.


Já defendi (e defendo!), nesta modesta coluna, a ironia como sobreviv&ecir🙈c;ncia, como prática de resistência à vida burocratizada e contabilizada. Com isso, reafirmo que o humor é uma das poucas formas que sobraram de uma humanidade corrompida. No entanto, a questão é bem diferente. Os memes, produzidos pelo concreto do corpo representado, ultrapassam qualquer limite ético. Isso não é piada, é sadismo puro, perversidade customizada por aplicativo e compartilhada por alguns que, dessensibilizados pelo cotidiano maldoso que infesta os suportes digitais, ainda dizem, "deixa de ser careta, moralista, isso é apenas uma ima🐭gem, uma brincadeira". Não, meu amigo. Sinto em informar, não é apenas uma piada.

 


Uma das cenas mais tristes da Ilíada &e💃acute; justamente quando Aquiles, herói grego, após vencer o nobre Heitor em um duelo de honra, amarra seu cadá;ver à carruagem e o arrasta diante dos muros de Troia. Príamo, seu pai e Rei daquela cidade, e Andrómaca, sua esposa, presenciaram o vilipendio e nada puderam fazer. Na guerra, os bárbaros mostram toda sua voracidade, literalmente, dançando sobre⛦ o corpo alheio.


Estamos construindo uma forma de convivência que desconsidera qualquer limite moral. Os devotos da tecnolatria se compo🌼rtam como Eichmann (o burocrata nazista relatado por Hannah Arendt), cheios de clichês💫, esquivando-se da corresponsabilidade no compartilhamento das imagens e sem a noção profunda do mal que estão fazendo.

 


&Eacut🌜e; preciso lembrar que essa civilização já não nos oferece nenhuma garantia, caso caiamos desmaiados em algum lugar por aí, formos atropelados ou sofrermos algum acidente. Em poucas horas, nossos filhos, esposa, mãe e pai, verão a cena de nosso corpo sem vida compartilhada nos grupos de WhatsApp da família, do futebol e da igr🦂eja. A sociedade do espetáculo se apresenta em sua forma mais cruel, casada com a alta tecnologia que permite atrocidades com a velocidade de um clique.


Certo dia, ouvi alguém dizendo: "sossego mesmo só quando estivermos comendo capim pela raiz, quando esticarmos a canela e fecharmos o paletó de madeira". Agora, acho que nem isso... Com muitas câmeras nas mãos e nenhuma ideia na cabeça, perdemos até o direito a essa paz eterna.